A garçonete, com um uniforme mínimo, como a de qualquer lanchonete de estrada, veio mais uma vez perguntar se eu queria comer alguma coisa, ou mais alguma bebida, já que meu copo de Martíni estava no final. Respondi que não, e ela voltou para a cozinha com uma cara desapontada, já que não dei a menor atenção aos seus peitos pulando para fora do decote. Comecei a passar o dedo indicador na beirada do copo em círculos.
Eu não tinha nada pra fazer, estava a meia hora em uma lanchonete qualquer que mal me lembro aonde fica, exatamente. Não é com isso que estou preocupado.
Me preocupo que, na verdade, eu tenho pra onde ir, tenho o que fazer. É só pegar o carro. É rápido. O problema são as consequências psicológicas que essa atitude pode trazer. Pegar o carro. Também não estou preocupado em sofrer um acidente. Ao contrário do que podem pensar, eu só bebi meia dose de Martíni, o que, com certeza, não é o suficiente para que eu perca o controle do volante, apesar da chuva fraca que continua caindo lá fora.
Eu podia simplesmente voltar, mesmo depois de um mês, uma semana, um ano. Sei que vou ser recebido de braços abertos, e sem perguntas do que andei fazendo esse tempo todo, enquanto estive fora sem dar notícias.
Mexi meus braços, ajeitando o casaco e olhando em volta, e vi a garçonete insistente cochichando para outra, e olhando indiscretamente na minha direção. Reparando nela, vi que é realmente bonita. Seu corpo, e seu rosto, também. Mas me vi procurando por características que conheço faz anos, e resolvi virar o rosto para o outro lado, fazendo uma careta. Pensar nela não me faz mal. O que me faz sentir mal é o meu egoísmo, que me faz ir lá sempre que me dá vontade, sempre que sinto falta disso. E, o pior de tudo, ir embora quando estou satisfeito, sem olhar pra trás. Na verdade, sem ter coragem de olhar pra trás, e vê-la chorando. Mais uma vez.
Eu sempre penso como é estranho o modo que, mesmo depois de ter chorado tantas e tantas vezes, mesmo sabendo que, uma hora ou outra, eu vou embora, ela sempre me recebe de braços abertos. Sempre. Sempre com o mesmo sorriso no rosto. Sempre. E eu sempre testando a sua capacidade de me perdoar, sempre indo lá, só por puro egoísmo e curiosidade, para ver se ela ainda vai me receber, se ainda me ama, como ela diz.
Puro egoísmo.
Pura curiosidade.
Pura maldade.
Levantando minha mão levemente, não demorou dois segundos para que a garçonete viesse até a minha mesa.
- Mais uma dose de Martíni, por favor.
- Só isso? - Ela me olhou com um sorriso de canto, nada discreta. Acenei com a cabeça, e a vi saindo mais uma vez desapontada com a minha falta de interesse.
A outra garçonete veio e trouxe minha dose, e também sorriu nada disfarçadamente, e reparei nos cabelos loiros delas, e seu rosto delicado, mas o que mais me chamou atenção foi aquele tom de verde dos seus olhos, que me deixou boquiaberto por alguns momentos, até que eu me recompusesse e sorrisse levemente, e fiquei olhando ela rebolar até que entrasse na porta da cozinha.
Agora a festa estava feita, ou a briga, a inveja por causa do meu deslize.
Sorrindo convencidamente, bebi um gole da minha bebida, imaginando as duas discutindo quem iria vir aqui se eu chamasse.
Por que minha mente sempre vagava para o mesmo lugar? Aquele apartamento que eu tanto conhecia. Aquela cozinha simples, com aquele balcão que me trazia lembranças que eu com certeza não me arrependia – até agora, pelo menos -; A sala, com um sofá bastante confortável (sorri bobamente ao lembrar isso); o quarto com uma pintura clara, que com a luz do sol trazia “paz de espírito até para o diabo”, como ela mesma disse uma vez. Eu provavelmente ainda adoro quando ela passa os braços em volta do meu pescoço. Ou pelo menos eu adorava a ultima vez que chequei. Era hora de checar novamente.